Por que Victor não quis tirar o título?
- Melissa Tavares
- 12 de jun. de 2022
- 3 min de leitura
Em conversa com Victor, um jovem inteligente e esclarecido de 16 anos, me surpreendi ao saber que ele não iria tirar seu título para as eleições de 2022. Foi desconcertante: como assim?
Os jovens nos causam desconcertos. Isso logo me fez lembrar de que nos últimos tempos alguns pais têm se visto numa situação inusitada: convencer seus filhos a tirarem carteira de motorista. Como que não querem tirar carteira de motorista?! Eles preferem pegar Uber.
Na minha época, qualquer documento que se pudesse tirar era status, evento aguardado com ansiedade. Bem verdade que nem sempre se tinha a maturidade esperada para o ingresso nessas esferas sociais, mas só de ter o documento na carteira já valia a pena.
Me parece razoável presumir que essa geração é mais informada que as anteriores, então como entender isso? Seria mesmo alienação?
Ao ver minha surpresa Victor explicou porque não iria tirar o título agora. Ele disse ter refletido se deveria ou não tirar o título, ao invés de simplesmente fazê-lo por impulso. Disse não se sentir representado por nenhum dos candidatos e que se fosse votar teria que, por conta própria, conhecer a história de cada um e o que de verdade estão propondo, o que não é nada fácil nesse mundo de “fake news”. Só assim estaria exercendo sua cidadania já que se recusa a simplesmente repetir os votos de seus pais.
Nem preciso falar do meu queixo caído nesse momento. Ele prosseguiu. Acontece que está sentindo o baque pós pandemia. Falou como está sendo difícil encarar um segundo ano do Ensino Médio, agora presencial, depois da confusão que foram os quase dois anos de aulas online. Isso sem falar que somente no final do ano passado foi vacinado e então focar nos estudos está particularmente difícil para quem tem tanto a explorar.
Como eu já tinha ganhado um tempinho para me reorganizar, lembrei que a escola dele promove debates e palestras sérias sobre posicionamentos políticos, como que isso não tinha provocado nele um maior engajamento? Ao que parece os eventos da escola são bons e interessantes, mas Victor mostra que entre os alunos há uma polarização dura, aqueles que discordam são cancelados ou verbalmente agredidos, não havendo espaço para o diálogo. Segundo ele, o mesmo acontece em outros lugares, como na família, no whatsapp e redes sociais. No topo disso tudo, suas relações familiares e sociais passaram por momentos difíceis nesses últimos anos. Ele ainda não está bem.
Por tudo isso, o Victor lacrou nossa conversa com a seguinte frase: para a próxima estarei preparado, mas não vai dar para eu participar dessas eleições. Deixo para os maduros e esclarecidos acima de 18 anos que façam a parte de vocês.
Saí pensativa dessa conversa e qual não foi minha segunda surpresa ao ver que os pontos levantados por ele foram os destaques na pesquisa do IPEC (antigo IBOPE) sobre os valores sociais do eleitorado de 2022. Essa pesquisa explicou porque no início desse ano se alcançou a baixa histórica do número de jovens de 15 a 17 anos a tirarem o título de eleitor.
Dentre os fatores, sobressaíram: o medo do cancelamento, a falta de representatividade, a descrença nas instituições, e ser o fórum político um ambiente agressivo e disruptivo. O TSE então implementou campanha voltada a esses jovens e em abril conseguiu aumentar o ingresso deles no sistema eleitoral.
Agora te entendo, Victor. Nem toda ausência é alienação.
Pesquisa Avaaz/Fundação Tide Setubal sobre Democracia e Eleições, setembro/2021: Pesquisa nacional, presencial, com jovens de 18 a 34 anos, sobre Democracia e Eleições mostra os principais valores sociais considerados como mais importantes e que poderão impactar na definição do voto nas eleições presidenciais. https://www.ipec-inteligencia.com.br

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